sexta-feira, 30 de maio de 2008

Viúva


... e não vi nenhuma das vezes em que a porra da andorinha entrou. Acho que eu estava virada para a parede, sendo lambida pelas caras de manjar branco desses papa-defunto-de-velório. Eu queria é estar fazendo feira agora, escolhendo abacate pra comer com açúcar quando chegar em casa, coçando o dedão do pé. Droga, a gelatina acabou e não fiz mais. Gente egoísta... Olham pra mim, o Delei mortinho-da-silva todo carbonizado no caixão, e dizem: "meus sentimentos, meus sentimentos..." Quero que vá todo mundo se foder com tanto sentimento. Eu sei o que é foder, o Delei me fodia e me fodia com gosto. Muito choro, vela pingando, fogo, gente gemendo baixinho, esse velório tá me dando uma tesão danada... Ah, Delei, e agora? Marido quente ainda no caixão e eu aqui pensando em foder, mas ué!: alguém tem que pensar! Outro homem na minha vida?? Só se for pra me foder muito! Dinheiro, não tenho. Não quero amolação de marido chegando com bafo de cachaça em casa: vai morrer pra lá — eu já enterrei um, não enterro outro. Nossa, tanta vela... tenho que ir na macumba pra jogar um búzio pra ver o panorama da situação... A Light vem cortar a luz na sexta se eu não pagar, vou pedir à Zezé uma grana pra pagar a luz esse mês — qualquer um vai ter piedade da viúva, vou deitar os cabelos. Puta que o pariu, tivessem cortado a luz anteontem tu não tinha morrido, Delei... Tu é um corno mermo.
Daniel C. Z.
Paulo Braccini
enfim, é o que tem pra hoje...

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